Caderno Azul #7

“Quadro Verde”, Rubel

Não há doce sem amargo.

Se há mais de uma constante nessa vida, tem que ser essa. Vivo tempos como se do chuveiro caíssem gotas – melhor, jorrasse – a calda do pudim de minha mãe. O fulgor do presente chega a ofuscar, e quase me farto de tanto, desajeitadamente, tentar abocanhar o máximo de colheradas de alcaçuz que a felicidade, faceira, me oferece. Então, constato que há de fato companhia para o absoluto de se respirar: a necessidade que a Vida – maiúscula por sua ousadia em ser maior que nós – tem de nos provar sua amarga e irrefutável petulância.

Logo agora que me prometeram servir a mais doce das descobertas, você me aparece com esses limões velhos?

Mergulho, assim, nessa limonada – sem açúcar, frescor ou graça que aplaque a Tristeza – também maiúscula, também palpável. Me deixo ali, na secreta esperança de que me estendam ao menos um traço do mais vagabundo brigadeiro que seja, enquanto o azedume prossegue em festa por seu retomado território. Me deixo estar, porque sei que logo avistarei um punhado de abelhas carregando nossa já acordada carga extra de resgate, para aqueles dias em que todos estão ocupados demais com seus próprios limões velhos.

Só rezo para que elas jamais se percam no caminho.

Caderno Azul #6

“Let It Be”, The Beatles

Há pouco no mundo capaz de sufocar mais que a ausência de inspiração.

O desamparo penetra e pode ser sentido em cada célula, a frustração perfura osso por osso, e tem-se a certeza de que todos podem sentir o tédio exalar de cada poro.

Seria de preocupar essa recorrência não só de pauta, mas sensação? Seria não, quando já é, já foi e, pelo visto, ainda há de ser. Revisitações e longos abandonos, a determinação seguida do desalento, até quando se daria essa dança arrítmica e tropeçada?

Vai ver é mais um dia, um ano, um apanhado de meses daqueles. Vai ver é passageiro e logo se torna motorista, dono de sua direção. Vai ver uma hora reinicia e volta a funcionar feito novo. Vai ver desencanta, só para poder voltar a encantar.

Súbita

“You Really Got a Hold On Me”, She & Him

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Fui acordada pela urgência de ser piegas.

Bateu aquela necessidade de te falar, gritar, sussurrar. O impulso quer explodir do peito e sair desvairado à sua procura, e eu não sei quanto tempo mais a razão vai dar conta de segurar as rédeas. Não consigo nem imaginar o estrago quando ela finalmente desistir e deixar que ele sinta o gosto da liberdade. O que vou fazer se ele for até aí e despejar todo esse meu amontoado de sentimentos não ditos por você?

Eu vou te assustar, eu sei. Eu vou te prensar contra a parede com a intensidade desse sentimento-não-revelado-mas-que-você-deve-desconfiar-que-existe. Minha lente aquariana da vidência, bem da paraguaia que é, se recusa a me deixa ver como você vai reagir a toda essa insanidade. Insanidade… É, acho que é bem assim que eu vou parecer pra você, não é? Uma doida, desvairada. Uma menina, e daquelas bem tolas. Uma causa perdida, pra resumir.

Só que eu não sei se consigo mais. Não te falar o que eu tanto quero ouvir cansa mais que essas novas aulas de academia que prometem queimar em 1 hora as calorias conquistadas durante toda uma vida. Eu quero que cada despedida tenha esse sabor, eu quero me lembrar de você com um sorriso no meio da tarde e te mandar esse mistério numa mensagem porque daí você vai saber que eu lembrei de você com um sorriso no meio da tarde, eu quero que revirem os olhos quando me virem te abraçando e sussurrando essa coisa impronunciável. Por Deus, eu até quero ser brega pra você! Eu quero, porque é assim que a gente age vez ou outra quando verbo-não-pronunciado alguém. E eu não tenho dúvida de que verbo-não-pronunciado você.

Caderno Azul #5

“Lucky”, Kat Edmonson

Gostar de alguém é um troço bom.

Aquela sensação gostosa de ter por quem acordar, o momento de ar suspenso que antecede o primeiro beijo, todos aqueles sorrisos bobos que insistem em sair sem aviso prévio…

Gostar de alguém é um troço doido. Aquele amontoado de palpitações, as infindáveis noites de insônia – de dúvida, de constatação, de lembrança e saudade, – o estômago que revira de ansiedade e você ali, achando que descobriu a última e definitiva maravilha do mundo… Muito doido.

Gostar de alguém irrita. Todas aquelas manias, o mau-humor desavisado, a mensagem deixada passar, mas como que ele foi esquecer justo o aniversário de 4 meses e 7 semanas de namoro?! Argh.

Tudo isso para finalmente entender que gostar de alguém é uma das maiores aventuras e dádivas da vida. Uma fonte inesgotável de descobertas, mas também um exercício diário de paciência (e persistência). Mas você encara, prefere fincar os pés nas nuvens e se agarrar com todas as forças naquele abraço, no seu abraço, que, ainda que dure 30 segundos ou a vida toda, será sempre eterno, sempre nosso. Porque você tem todas as razões e liberdade para abrir mão desse alguém, mas escolhe ficar para mais umas cervejas enquanto sorve mais daquele sorriso seu, que artista nenhum jamais será capaz de reproduzir fielmente ainda que dedique toda sua carreira a isso.

É, gostar de alguém é mesmo um troço maravilhoso.

Caderno Azul #4

“You Ain’t Alone”, Alabama Shakes

O entrave é tamanho que começo as coisas pelo meio, aos solavancos e atravessadas.

The city of lost balloons

Parece cada vez mais difícil espiar pela porta desse infinito particular, sair de debaixo das cobertas do comodismo e enfrentar o vento do desconforto e da incerteza. Mas, eu tento. Eu vou lá e me empurro para os desconhecidos, me atiro para as ondas de conversas arenosas e me afundo em assuntos movediços.

Ninguém vê dificuldade nisso, é natural estar até os joelhos de pessoas – sou eu só e só eu, que penso em todas as cores e só verbalizo em escala de cinza. Eu, que me distraio tanto narrando milhares de filmes no meu cinema interno, que acabo por esquecer minhas falas de protagonista da vida.

Proponho, então, um brinde. Um brinde de uma taça só aos introvertidos. Um brinde sem pé e com cabeça na lua. Um brinde que termina no começo. Um brinde, assim como era uma vez esse texto.

Caderno Azul #3

“Happy Together”, The Turtles

Quando dá pra saber que é amor?

Estive sentada em tantas carteiras anotando copiosamente aquilo que ditavam, fosse enfadonho ou não… Já revirei todos os rascunhos e cantos, mas não encontrei quem me pudesse confirmar as suspeitas.

Por que não me dizem se é quando o coração calmamente se inquieta e resolve que quer bater pra sempre nesse compasso? Qual o problema em atestar que é quando até sua mente passa a ser irracional e a lógica resolve sair de férias e ir para o Butão? Eu PRECISO saber se é quando a segurança casa com a loucura e elas vivem felizes para sempre pelos cantos de mim, pendurando quadros com o seu rosto enquanto escutam nossa playlist!

Sei lá, vai ver eu já sei faz tempo, só sou desconfiada demais para admitir. Tenho certeza que já te suspirei no sono um “eu te amo”qualquer. É, eu te amo. Qualquer.

Caderno Azul #2

“Space Oddity”, David Bowie e Kristen Wiig

Nunca tive tanto medo de crescer quanto hoje.

O mundo acinzentou de repente, as rimas sumiram, o perfume evaporou. Tudo que restou foi a aspereza da realidade, a dureza dos fatos, a rispidez dos números.

Ninguém te prepara para isso.

Escola nenhuma oferece especialização em sobrevivência, muito menos há nas livrarias um manual de uso da maturidade. Tudo o que resta é fechar os olhos vez ou outra e fazer o possível para sair (quase) ileso.

Porque ainda não há bote que salve os corações partidos ou ressuscitador para ilusões despedaçadas.

O que resta mesmo somos nós, mambembes, nos equilibrando ao pular de uma decepção a outra. Nós, que já nos contaminamos de sal e cinza, mas insistimos em encontrar uma brecha azul de céu para dar de comer à nossa fé em um milagre.

Vezes ás

“Hold On”, Alabama Shakes

city of lost balloons

Às vezes tenho medo. Medo de que você nunca chegue a sussurrar no meu ouvido que mais que gosta, que se canse dessa combinação de cara lavada e alma confusa e saia por aí. Medo de que eles partam pra onde visitas não são permitidas, principalmente antes que vivam tudo que assinamos em nosso contrato de sangue. Meda das subtrações e partidas, das perdas. Medo de que o tempo reduza, estacione e vire pó sem nosso consentimento ou percepção, que a vida sufoque e a meia dúzia se torne -1. Se você soubesse como eu tenho medo às vezes…

Às vezes me sinto estupidamente feliz. Feliz por todas as coisas que colorem o caminho. Feliz pelas palavras de açúcar queimado, pelos sorrisos espontâneos e gargalhadas genuínas. Feliz pelas dádivas, sentindo toda aquela gratidão a Ele, eles, você e os demais pelos travesseiros de algodão doce e belezas da vida. Você não imagina como eu posso ser ridiculamente feliz às vezes!

Às vezes tenho raiva. E logo fico triste. Raiva do injusto inalcançável, que ata as mãos sem vendar os olhos. Raiva dos rostos de serpente com suas presas afiadas prestes a inocular futilidades. Raiva da inconstância, da mente que não cala. raiva do fluxo ininterrupto de bobagens, sejam minhas ou dos outros, raiva do silêncio por vezes compulsório. Me entristeço tanto às vezes…

Às vezes fico perdidamente apaixonada. Me apaixono pelos seus milímetros, esquadrinhando e devorando cada um deles (já sei todos de cor). Me apaixono por eles, seus corações imensos sempre com um bolo de cenoura pronto à minha espera. Me apaixono pelas descobertas e aprendizados, pelas pilhas de papel e quilos de anotações. Já te disse que me apaixonar por você às vezes acontece todos os dias?

Às vezes escrevo. Escrevo um amontoado de riscos e pixels, quando crio coragem, onde houver canto. Escrevo quando abandono o coma criativo e acabo juntando umas bobagens, estruturando uns desabafos e pensando em você. Escrevo para que você saiba sem saber e para que eu fale sem falar, mas principalmente para que sintam como é sentir. Engraçado, mesmo que às vezes eu escreva, em você eu penso sempre.

Poeta de dia

“It’s a Fluke”, Tiago Iorc

Hoje acordei poeta. Abri os olhos, vesti meu verso triste, tomei meu café amargo e saí pro dia cinza e ácido. No meu caminho, os mesmos rostos desconhecidos de sempre. Milhares de pilotos automatizados, crias de uma única linha de produção cujo lema é “sucesso ou morte”. Não há questionamentos, bandeiras hasteadas ou desvios: somente sorrisos amarelos e olhos vidrados a 20 km/h.

Eu mesma sou um deles quando não estou aqui, na minha toca do coelho. Diversos nadas a fazer, um cérebro para não pensar, tarefas de areia a cumprir. Não posso esquecer de dar um jeito nesse desbotado que me colore pra que não digam que uma estranha, densa feito tempestade, veio cobrir o vazio que (não) deixei.

Hoje vou dormir poeta. Vou mastigar qualquer coisa sem tempero, assistir a algum dramalhão vazio, forçar alguns bocejos e deitar a cabeça num travesseiro de insônia. Vou tentar dormir enquanto meu cérebro repassa detalhes, texturas, gotas de mar e palavras ocas. Amanhã, quem sabe, acordo eu.

Agridoce

“You Are the Only One I Love”, Jaymay

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Não foi da primeira vez que te encontrei que já soube que um dia ia te conhecer melhor ainda. Naquele tempo, você não estava em meus planos porque eles sequer existiam. O que tinha era um bocado de desinteresse e outro tanto de descrença. E você era só passagem, só paisagem.

Você me olhou, eu nem vi. Tão entretida no descompromisso que estava, fui batendo ponto nos dias sem quase perceber quando você passava. Tudo parecia tão distante e absurdo naquela época, que cogitar qualquer remota possibilidade estava fora de cogitação. Sorte a nossa que o mundo gira feito pião desgovernado.

Um giro pra cá e outros tantos rodopios pra lá acabaram dificultando a tarefa de permanecer ilesa à vida ao redor. Mais ainda: tornou impossível ficar ilesa a você. Já não dava pra não sentir sua falta, pra não te esperar por perto todo dia, pra não querer sentir um pouco mais aquela mistura única de acidez e alcaçuz. Não deu, então deu.

Deu que seu desvio virou também meu, o ano não era mais só inverno e a vida começou a vir com gosto de limão siciliano com Nutella. Deu que não teve enjoo aquariano nem respira-fundo que derrubasse a vontade de cruzar o mundo a pé e de mãos dadas com você. Deu que hoje nos pertencemos, e vai ser assim até e além do dia em que nada mais tivermos.